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Plano Diretor retoma discussões sobre moradia e preservação ambiental em Fortaleza

O que é o Plano Diretor de Fortaleza? Memórias que remontam 80 anos. Dona Raimunda nasceu no Poço da Draga, na Praia de Iracema, em Fortaleza, e lembra bem c...

Plano Diretor retoma discussões sobre moradia e preservação ambiental em Fortaleza
Plano Diretor retoma discussões sobre moradia e preservação ambiental em Fortaleza (Foto: Reprodução)

O que é o Plano Diretor de Fortaleza? Memórias que remontam 80 anos. Dona Raimunda nasceu no Poço da Draga, na Praia de Iracema, em Fortaleza, e lembra bem como era a comunidade. “Antigamente as nossas casas eram todas de madeira e o trem passava aqui. Os navios atracavam aí”, fala saudosa apontando para o mar em frente à ruela simples, perto da Ponte Velha. Hoje o Poço da Draga, com 119 anos, tem mais de 500 casas, mas um receio antigo continua atual: o medo da expulsão. “Como aqui é Centro, a qualquer momento a gente pode ter esse problema de tirarem a gente daqui. Aqui é valorizado, dá dinheiro” afirma a idosa. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp A regularização fundiária é uma das lutas históricas da comunidade. A garantia do “papel da casa” e de melhorias básicas estruturais, como saneamento, em comunidades mais vulneráveis é uma das previsões do Plano Diretor de Fortaleza, principal lei de planejamento urbanístico da cidade. A legislação trata de questões urgentes como o desenvolvimento urbano sustentável, o uso do solo e o crescimento desordenado. “O Plano Diretor é uma lei que organiza o planejamento da cidade para os próximos 10 anos. Ele é uma obrigação porque o Estatuto da Cidade, que é uma lei federal de 2001, obriga todos os municípios com mais de 20.000 habitantes tenham que fazer um Plano Diretor”, explica Artur Bruno, presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), órgão técnico responsável por coordenar e apoiar a elaboração, execução e monitoramento do Plano Diretor de Fortaleza. Atrasos, crescimento desordenado e debate Plano Diretor de Fortaleza busca soluções para as questões habitacionais na capital cearense. TV Verdes Mares O último Plano Diretor em vigor na capital cearense é de 2009 e deveria ter sido revisado em 2019. Com seis anos de atraso, após passar por 3 gestões e uma pandemia de Covid, a discussão voltou a pauta em 2025. “Muitos problemas de Fortaleza ocorreram porque atrasamos o Plano Diretor. A sua principal regulamentação, que é a Lei de Uso e Ocupação do Solo, só foi feita em 2017. Portanto, nós tivemos oito anos sem regulamentação e houve muito problema, muitas construções indevidas, ocupações irregulares e isso prejudicou a cidade”, relata Artur Bruno. Até agora já foram realizadas 8 audiências públicas sobre o assunto com cerca de 1.600 participantes de diversos segmentos. Isso porque o Plano só funciona se for participativo e democrático, permitindo voz a toda a cidade. “A sociedade civil, as diferentes entidades de classe, movimentos sociais, os diferentes setores da economia, é fundamental que eles participem” enfatiza o professor Renato Pequeno, coordenador do Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará (UFC). "O plano vai apontar, por exemplo os caminhos que vão ser adotados pelo município para enfrentar as suas desigualdades socioespaciais, quais vão ser os caminhos para que a gente possa viver numa cidade ambientalmente mais saudável, que a gente possa viver numa cidade que tenha melhores condições de mobilidade urbana", defende Renato Pequeno. O novo Plano Diretor vai ser debatido nos próximos dias na Conferência da Cidade que acontece de 24 a 26 de outubro, no Centro de Eventos do Ceará. No total, 596 delegados, que representam os mais diversos setores da sociedade, irão votar a minuta da lei, que é o documento com as propostas elaboradas pela prefeitura e que, hoje, tem 621 artigos. Após a Conferência da Cidade, o município vai compilar todas as propostas apresentadas pelos diferentes segmentos da sociedade num documento único e enviar como mensagem para a Câmara Municipal de Fortaleza. A expectativa é que o novo Plano Diretor chegue a CMFOR no início de novembro e possa ser votado e aprovado ainda esse ano. E o que esse novo Plano Diretor traz de importante? A preservação ambiental também está entre as discussões do Plano Diretor de Fortaleza. TV Verdes Mares Entre as propostas da Prefeitura de Fortaleza nessa revisão está o acréscimo de 38,43% da Macrozona do Ambiente Natural, que abrange a Zona de Preservação Ambiental (ZPA) e a Zona de Uso Sustentável. A área ampliada é de 2.942,52 hectares. Também houve aumento no número de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) de assentamentos do tipo favela (tipo 1), que devem sair de 45 para 87. As Zeis foram criadas pelo Estatuto da Cidade para garantir o direito à moradia digna, acesso à infraestrutura domiciliar e urbana, acesso a bens e serviços públicos e à regularização fundiária para comunidades de assentamentos precários, favelas, loteamentos e conjuntos irregulares. É o caso, por exemplo, do Poço da Draga que é uma Zeis prioritária. "Está com mais de 10 anos que a gente está nessa luta pela regularização, pelo papel da casa, né? Porque a gente ainda sofre o medo de remoção, já tentaram tirar a gente de várias formas" explica Ivoneide Góis, integrante do Conselho Gestor da Zeis do Poço da Draga. Já de acordo com Artur Bruno, a promessa é que as comunidades não sejam mais removidas e consigam ter o básico onde vivem. "Com as regras, de acordo com o plano, a população vai ter o seu papel da casa, vai poder fazer sua reforma, uma construção sem ser retirada daquela área". Plano Diretor prevê infraestrutura para regiões historicamente vulneráveis e marginalizadas. TV Verdes Mares Outra novidade é a criação da Zeis de Reparação de Danos, que prevê infraestrutura para regiões historicamente vulneráveis e marginalizadas. É o caso dos Conjuntos Habitacionais José Euclides e Luiz Gonzaga, no bairro Jangurussu. “Ao longo dos anos as populações de Fortaleza têm sido expulsas para os extremos da cidade. O último plano diretor tinha uma área reservada para a construção de casas populares, mas as casas populares se transformaram nos grandes conjuntos. Ou seja, você pega toda uma população da cidade e expulsa para o extremo da cidade”, afirma Sérgio Farias, coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). “O que a gente espera é que, no caso dos conjuntos habitacionais, essas reparações cheguem, para essas comunidades que estão resistindo. Você mora num lugar que não tem CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), num lugar que não tem cidade. Então é importante que o estado chegue nesses territórios sempre”, reinvindica Farias. O coordenador da Comissão Especial de Política Urbana e Ambiental do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará, Rerisson Máximo, explica que o Plano Diretor pode oferecer soluções para resolver as questões habitacionais. “Fortaleza é uma cidade que apresenta mais de 800 assentamentos precários. Então a gente tem uma demanda habitacional muito associada a favelas, comunidades urbanas. E uma das respostas que o Plano Diretor pode oferecer é exatamente um zoneamento especial que permite que sejam direcionadas ações específicas para resolver o problema habitacional”, diz Rerisson. A urgência da participação Discussões do Plano Diretor de Fortaleza incluem a qualificação das zonas de habitação em Fortaleza. TV Verdes Mares Mesmo com toda a importância que o Plano Diretor tem, um dos principais desafios é que ele faça parte de debate social e chegue a todas as camadas da população que vive em Fortaleza. “Eu acho que todos os moradores da cidade deviam se engajar porque esse é um espaço de discussão onde estamos vivendo a democracia direta ou o mais próximo de uma democracia direta. Onde nós podemos interferir na construção de uma lei”, defende Jefferson John, Presidente Instituto de Arquitetos Brasil-Departamento do Ceará (IAB). O Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE) é outro órgão envolvido no debate do Plano Diretor. Para o diretor José Carlos Gama, as diferentes perspectivas que envolvem a legislação precisam dialogar para que os interesses da cidade possam ser abraçados. “O interesse do mercado imobiliário, do mercado produtor, é o mesmo campo popular. O que é que o campo popular reivindica? Habitação de interesse social. Essa habitação de interesse social é feita por quem? Pelas construtoras. Ambiental, da mesma forma. Antes da gente, na realidade, ser incorporador, antes da gente ser empresário, nós somos cidadãos, nós somos pais, nós somos avós. Somos pessoas que moram em Fortaleza e precisam realmente ter um ambiente de vivência muito mais saudável”, pontua. Segundo Artur Bruno, presidente do Ipplan, a ideia é que, depois de aprovada a lei, haja a comunicação para que as pessoas conheçam as diretrizes do plano. "A ideia é que a gente faça uma espécie de cartilha, vamos fazer comunicações em vídeo e vários instrumentos para as pessoas se apoderarem dessa informação e cobrarem do poder público e dos privados, dos particulares, o cumprimento dessa legislação". Essa é a expectativa também da população. Ivoneide, do Poço da Draga, afirma que o “Plano Diretor era para ser mais divulgado nas comunidades para haja um entendimento pela população. "É fundamental que as pessoas entendam o que vem pela frente, para esses mais de 10 anos. Para as pessoas já ficarem cientes do que vai ter. E depois a gente também cobra, né? Das autoridades. Porque não adianta o plano diretor ser aprovado e tal e, na prática, não resolver”. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará